Se as suas emoções pudessem traduzir-se em palavras, seria assim: Por causa da nota que tocas na cabeça, por causa das paredes que tens nos olhos, por causa das cicatrizes todas na tua pele, das rosas e da tristeza, por causa do coelho que está sempre a morrer, por causa do frio que sinto ao chegar a quatro centímetros da tua presença, por causa das traças que voam à nossa volta, por causa dos sonhos que ainda não cumpri e porque me sinto sozinho como se estivesse pendurado no meio do Universo, preso a uma estrela muito distante, tão distante que não se pode ver a olho nu, nem nenhum astronauta lá chega, nem os olhos dos telescópios. Mas Tristan não saberia verbalizar assim as suas emoções, portanto :
- Porque ainda não fiz os trabalhos de casa.
- E de que estás à espera?
Se Tristan soubesse verbalizar as emoções, seria assim: Estou à espera de que a felicidade comece a crescer como os bebés no útero das mães e que um dia nasça e chore e queira mamar e nós eduquemos a felicidade e a levemos à escola para que saiba ler as letras das nossas veias e fazer contas de multiplicar com a nossa saliva, estou à espera de um beijo daqueles que são dirigidos somente a uma pessoa, e não daqueles que se dão a pensar em alguém que está longe (...)
Afonso Cruz, " Nem todas as baleias voam "