sexta-feira, 23 de abril de 2010

para ti e pelo D.

seria uma dor nova se não fosse conhecida. custa-me porque havia toda uma vida para viver. porque havia dias para saborear e outros mais difíceis. uma mão cheia de anos para crescer, para rir e também chorar. custa-me porque o abismo foi maior. custa-me porque o sabia especial ou não te seria tão importante. dói-me porque esse abismo também te tocou, porque, também em ti, a vida está só a começar. uma dor que não me pertence mas trouxe um cinzento novo, igualmente doloroso: atingiu-te a ti. e isto custa. saber que experimentas um vazio destes deixa-me sem saber o que fazer. porque não posso pegar-te ao colo e levar-te para o meio dos tons mais claros. porque não consigo gerir os dias para que os teus nasçam somente luminosos. e queria tanto. hoje especialmente. e então tive vontade que voltasses a ser pequenino e pudesse ir, de mãos dadas contigo, passear ali abaixo, observar as formigas, falar das árvores e das flores enquanto um vento suave te agita os caracóis. hoje não consigo. podia dizer-te muitas coisas. dizer-te que as pessoas que amamos não se perdem. que os olhares, o riso, a magia da cumplicidade é uma extensão da sua vida. mas sei que nada disto, hoje, será importante. sei que nenhuma destas palavras conseguirá libertar o grito que tens aí dentro. nenhuma delas será capaz de atenuar a dor. ainda assim, de mãos vazias, estou aqui.

domingo, 18 de abril de 2010

rumos

Às vezes, parece-me que vejo, com uma clarividência momentânea, as pedras que constroem o meu caminho. Como um flash, que dispara sem aviso, e me permite ver e não apenas olhar. Hoje tive um desses momentos. No meio de tantas vozes estranhas, em corredores enormes, entre paredes erguidas que os séculos permitiram trazer de pé, um breve disparo de luz iluminou o que tenho sob os pés. E percebi que me encontro a percorrer uma estrada que pensei já percorrida, embora saiba, racionalmente pelo menos, que as estradas são diferentes entre si. Compreendi que nada está concluído e que a vida é um constante recomeço. [Foi sempre assim convosco. Por que razão seria diferente comigo?]. Percebo agora a necessidade de construir e a premência de um entusiasmo e de uma esperança que não tenho encontrado dentro de mim, ainda que me sejam tantas vezes soprados pelas vozes que me acompanham desde há muito e pelas que se cruzam e se fazem companheiros de viagem. Nas marés que me pertencem, vejo-me ora a nadar ora a boiar, sem vontade de contrariar a corrente.
A., lembro-me que, naqueles momentos em que, com paciência, tentavas ensinar-me a tua ciência, dizias que há diferentes tipos de maré e que sabias sempre quais as que trariam mais peixe. Ainda assim, levantavas-te firme, madrugada após madrugada, e partias para mais um dia no mar. Regressavas, por vezes, feliz e orgulhoso. Outras vezes, via-te chegar de rosto carregado, zangado mesmo, de bolsos vazios, enquanto depositavas sobre a mesa o peixe para esse dia. Lembrei-me disto a propósito das correntes das minhas águas. Lembrei-me, porque, na densidade da noite, vi um clarão que me mostrou um mar enorme à minha frente. Um mar agitado. Sobre ele, dança a minha barca, em dias curtos e noites enormes e silenciosas.

Sabes como lamento não ter aprendido quase nada da tua ciência. Não sei reconhecer quase nenhuma maré nem distinguir os ventos, a menos que seja a óbvia "nortada". Só consegui aprender a remar e a nadar e sei que isso me basta.